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Exame, 9/03/1988

A Revolução verde

A saga do trabalho (continuação)

Agricultura

Em sítios ou latifúndios, um show de eficiência

Raul Junior
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Ângela Nagai com o pai Hiroshi, criador do tomate Ângela, no IAC.

A maioria dos 250 mil imigrantes japoneses vindos para o Brasil nos últimos 80 anos passou pela lavoura e, como eles mesmos dizem, "puxou enxada". Se hoje a maior parte da população de origem japonesa já não vive diretamente da agricultura, sua contribuição ao desenvolvimento de diversas culturas agrícolas ficou consagrada na expressão popular segundo a qual "lavoura de japonês" é algo impecavelmente eficiente, digno de admiração e imitação. E o fato é que, por conta da diversificada formação universitária das novas gerações, "a 'lavoura de japonês' está atualmente mais nas mãos de brasileiros de outras origens", como reconhece o agrônomo Hiroshi Nagai, chefe da Seção de Olericultura do Instituto Agronômico de Campinas. Naturalmente, ainda há milhares de agricultores de origem japonesa pelo Brasil afora. Eles tocam desde hortas mecanizadas até latifúndios com desdobramentos agroindustriais. Em geral, estão na vanguarda da produtividade e da experimentação no campo, freqüentemente sob a bandeira de cooperativas como as onipresentes Cotia e Sul Brasil.

O melhor e maior exemplo do sucesso dos imigrantes japoneses na lavoura (e no mercado de produtos agrícolas) brasileira é este gigantesco empreendimento que ainda atende pelo singelo nome de Cooperativa Agrícola de Cotia. Atualmente com 15 500 associados e 11 500 funcionários espalhados por 15 Estados brasileiros, a cooperativa fundada em 1927 por 83 plantadores de batata de Cotia, nos arredores de São Paulo, é uma das 20 maiores empresas brasileiras. Fatura cerca de 600 milhões de dólares por ano com produção, comércio e industrialização de mais de 200 produtos agrícolas - e em primeiro lugar continua a batata, só que agora uma boa parte dela já é vendida pronta para o consumo a clientes como a cadeia de lanchonetes McDonald's. Há também fábricas de adubos, rações e óleo de cozinha no complexo organograma da Coopercotia, onde há 38 anos pontifica o nissei Gervásio Tadashi Inoue, advogado de 70 anos, atualmente mais voltado para o futuro do que para o presente da empresa que dirige. Quando começa a falar dos ensaios agrícolas com o aspargo no vale do São Francisco, a cereja na zona fria paranaense ou a jojoba como matéria-prima de um óleo capaz de substituir o óleo de baleia, o velho Inoue dá a impressão de ser o presidente de uma instituição de pesquisa, completamente alheio a questões elementares como custos e prazos. Na realidade, porém, as 22 estações experimentais da Cotia, onde trabalham 300 agrônomos e técnicos - uma infra-estrutura maior do que a do centenário e respeitado Instituto Agronômico de Campinas, pertencente ao governo paulista -, estão recebendo orientação no sentido de serem auto-suficientes, pois a cooperativa é antes de tudo uma empresa que não pode dar saltos no escuro. Isso fica claro pelas aparentes divagações de Inoue. "Estamos construindo uma fiação de algodão no Paraná, também embalamos chá e industrializamos ovo, mas o nosso forte é a colocação comercial da produção dos nossos associados", diz ele. "Nossa rede de distribuição se interliga através de terminais de computadores. O microcomputador é o 'soroban' dos nossos executivos."

O fôlego colonizador da cotia

Mas isso não é tudo e, realmente, parece quase nada para o fôlego do velho Inoue. "Estamos entrando na biotecnologia", prossegue ele. "Por causa da Cotia não há mais frutas da estação. Já estamos deslocando a floração da manga para exportar sem concorrência para o Japão. Também vamos programar a produção de limão." E há mais, muito mais: "Exportamos 50 milhões de dólares por ano", informa Inoue. "Trabalhamos há 20 anos na Europa. A Argentina já não é estranha para nós. Nossa política de comercialização vai fazer de Buenos Aires um subúrbio de São Paulo. Nós podemos ser otimistas, porque o Brasil tem um clima fabuloso para a agricultura."

O fôlego de Gervásio Inoue e da Cotia não vem de hoje. Desde os primeiros tempos, na década de 30, a Coopercotia entrou em frentes pioneiras como o oeste paulista e o norte do Paraná. Na década de 50, "importou" do Japão mais de 2 mil jovens (os "Cotia seinen") que começaram como empregados em lavouras de associados e terminaram se tornando proprietários de lotes em núcleos agrícolas ativados pela cooperativa. Temperando certo paternalismo com o espírito empresarial, a Cotia sempre funcionou como uma espécie de cabide de emprego temporário para nisseis em fase estudantil - papel também desempenhado, aliás, por outras empresas de imigrantes, como o Banco América do Sul -, mas nunca perdeu o pique do pioneirismo. Na década de 70, ela começou a funcionar como uma colonizadora, abrindo projetos de assentamento de agricultores em diversas regiões do país. São onze projetos que compreendem desde o cultivo de maçã em Santa Catarina até a produção de frutas no vale do São Francisco. O mais importante - também o mais antigo - é o do aproveitamento das terras do cerrado de Minas, onde os agricultores de origem japonesa estão começando a repetir os espantosos resultados registrados em décadas passadas no interior paulista e no norte paranaense.

Há pouco mais de dez anos, qualquer tentativa de fazer agricultura nos cerrados mineiros era considerada simples loucura. Inúmeros projetos fracassaram em virtude da falta de infra-estrutura, do escasso conhecimento tecnológico disponível para a exploração do solo pouco fértil da região e da própria inexistência de mão-de-obra. Atualmente, as fazendas de Paracatu, a 200 quilômetros de Brasília, no caminho para Belo Horizonte, entram numa fase de consolidação, apresentando médias de produtividade superiores às do Sul do país.

"Colhemos mais milho por hectare do que se colhe no Paraná e o mesmo está por acontecer com a soja", diz Hélio Sato, 25 anos, proprietário de 485 hectares no projeto de colonização Mundo Novo, em Paracatu. Na safra 1986/87, os sócios da Cotia, como Sato, colheram uma média de 76 sacas de milho por hectare, o triplo da média paranaense. Quatro anos antes, esta média mal ultrapassava 22 sacas. Na cultura da soja, as primeiras safras renderam 13 sacas por hectare - três vezes menos do que a média atual.

Os associados da Cotia em Paracatu são apenas 86. E Hélio Sato, filho mais velho de Hideo Sato, 53 anos e 21 de Brasil, cumpre o destino da maioria dos primogênitos dos japoneses: ficar perto do pai e seguir sua carreira. Além de seus 475 hectares no projeto da Cotia, Hideo possui mais 450 hectares em outras áreas. Seu patrimônio, entre terras e máquinas, soma pelo menos 60 milhões de cruzados. Às vezes, ele pensa em vender parte de suas propriedades para ajudar o primogênito, já independente, mas não abandona a lavoura, pois "trabalho para japonês não é só dinheiro, é dedicação de ver as coisas crescerem". Além disso, como bom japonês, ele quer ver os outros filhos formados - são três cursando faculdade em São Paulo. Apesar das queixas contra a política agrícola ("vivo mais nos bancos do que na terra, que é lugar de lavrador"), Hideo Sato está satisfeito. Começou puxando enxada no interior paulista e hoje tem terra, casa, máquinas, carro e camioneta. E uma dívida de 10 milhões de cruzados que não chega a lhe tirar o sono. Para quem passou anos trabalhando como arrendatário e "dormindo três horas por noite", é um enorme progresso.

Com algumas variações, a história dos Sato é a mesma entre os japoneses ou nisseis do cerrado, a maioria proveniente do interior paulista ou do norte do Paraná. "Eles têm duas virtudes para se dar bem na agricultura: senso de observação e dedicação", afirma o agrônomo Paulo Romano, ex-secretário geral do Ministério da Agricultura no governo Geisel (1974-1979) e presidente da Companhia de Promoção Agrícola (Campo), empresa de capital misto brasileiro-japonês que planeja e coordena os projetos de exploração do cerrado.

Quando trocou o cultivo de batatas no Paraná pela produção de uvas em pleno Nordeste, o nissei Mamoru Yamamoto não imaginava que 17 anos depois estaria produzindo os melhores vinhos do vale do São Francisco. Nascido na região de Araçatuba (SP), Yamamoto abriu caminho para outras 150 famílias japonesas que hoje lideram a produção de frutas para exportação no médio São Francisco. Ele acha que valeu a pena enfrentar as dificuldades iniciais. Com orgulho, conta que a Sociedade Amigos do Vinho do Brasil, numa recente disputa envolvendo as melhores marcas nacionais, concebeu a segunda, terceira e quinta colocações para três tipos de vinho produzidos em sua vinícola. "Temos tudo para produzir os melhores vinhos do mundo", afirma Yamamoto, que revolucionou o mercado de trabalho regional ao implantar um plano de carreira e uma política salarial inovadora para os mil funcionários de suas fazendas, Ouro Verde I e II, com 1 670 hectares, na divisa entre Pernambuco e Bahia.

As uvas do São Francisco

Além de "pagar salários melhores como forma ideal de aumentar a produtividade", Yamamoto preocupa-se em investir em pesquisas para aprimorar a qualidade de suas vinhas. Este ano, dois técnicos das fazendas passarão três meses no exterior aprendendo técnicas de cultivo, especialmente irrigação. "Acho que ainda temos muito para desenvolver", diz Yamamoto. As primeiras videiras da fazenda produziam 4 toneladas por hectare e hoje a produção já alcança 40 toneladas. "Como na região é possível colher até 2,5 safras ao ano, dá para produzir 80 toneladas de uva por hectare", espera Yamamoto, que só este ano pretende exportar 70 mil caixas de uvas para a Europa, além de experimentar também a venda de seus vinhos para os europeus e Japoneses.

A Vinícola São Francisco, instalada há três anos na Ouro Verde II, no município de Casa Nova (BA), pode produzir até 1 milhão de garrafas por ano. Na verdade, o negócio está apenas começando. Nos últimos oito anos, Yamamoto gastou 3 milhões de dólares na implantação de videiras. Hoje há uma área de 200 hectares produzindo. O plano é chegar a 500 hectares, ocupando 3 500 funcionários. "Não é um negócio para quem quer lucrar da noite para o dia", afirma Yamamoto, 54 anos, que reside em São Paulo e se preocupa em criar os três filhos com uma ampla visão do mundo. A primeira, com 23 anos, está estudando música no Japão. O único filho homem, de 16 anos, estuda na França. A caçula, de 13, freqüenta a Escola Americana de São Paulo.

Não é sem motivo que Mamoru Yamamoto só faz contas em dólares. No ano passado, seu faturamento atingiu 2 milhões de dólares, com uma margem de lucro "ainda pequena". Dentro de quatro anos, quando seu projeto vitivinícola estiver em ponto de bala, sua expectativa é alcançar 8 milhões de dólares - de lucro líquido. Para Yamamoto, o segredo do sucesso consiste em "gostar do que se faz e ter paciência".

Paciência, a terra ensina

Como ser paciente na agricultura, atividade tensa por sua própria natureza? "A terra ensina muita coisa e, conversando, observando, pesquisando, a gente acaba aprendendo um pouco a cada dia", afirma o sansei Paulo Saito, 50 anos, quatro filhos, que também cultiva uvas, mas no norte do Paraná, onde nasceu. Extremamente paciente e bem-humorado, Saito passou boa parte de sua vida cultivando arroz, batata e milho numa fazendola de 50 hectares em Uraí (PR), conhecida como capital do rami. Há três anos, ele vendeu a propriedade, aplicou parte na compra de imóveis na cidade e o restante na compra de um sítio de sete hectares onde passou a cultivar videiras. Ainda não ocupou nem a metade do sítio, mas vive mais tranqüilo e mais folgado do que antes. São 400 covas por hectare. Cada cova dá cinco caixas de oito quilos. Duas safras por ano, sem inseticidas, com a ajuda da mulher e dos filhos. Total: 32 mil quilos de uma boa uva de mesa por hectare/ano. Vendendo a 50 cruzados o quilo, em média, não dá para se queixar.

Paulo Saito é um viticultor pequeno, com pouca experiência, sem ambição de ter grandes parreirais, pois acredita que uva é uma espécie de artesanato. Em alguns dias da semana, ele pode ser visto vendendo uvas Rubi à beira da estrada entre Londrina e Ourinhos, ao lado do seu Aero Willys 65, comprado zero e atualmente com 280 mil quilômetros rodados.

A uva Rubi, resultado do cruzamento das variedades Itália e Niágara, é uma criação do velho Suganuma, pioneiro da viticultura no norte do Paraná. Levou 15 anos para ficar pronta, mas hoje é disputada no Ceasa de São Paulo. "Ali no Ceasa", diz Paulo Saito, referindo-se à central atacadista da capital paulista, a 500 quilômetros de distância, "o pessoal não conhece o Suganuma pelo nome, mas pelo número carimbado nas caixas da Cotia."

As cooperativas dos imigrantes japoneses estão por trás de muitas histórias de pioneirismo agrícola. Em Mogi das Cruzes, cidade de 200 mil habitantes na região metropolitana de São Paulo, os imigrantes começaram com a batata por volta de 1918, mas foi o tomate que lhes deu dinheiro. Nas primeiras décadas do século, havia em Mogi um tomate conhecido como "chacareiro", um tipo mole que não agüentava viagens longas. Por volta de 1930, ele foi cruzado com uma variedade italiana de casca dura e miolo oco, o Rei Humberto. Atribui-se o cruzamento a Benjiro Togue, mas, como nessa época todos os japoneses de Mogi plantavam tomate - a tal ponto que a recém-criada Cooperativa Agrícola de Mogi das Cruzes chegou a tentar a implantação de uma fábrica de massa de tomate -, ninguém sabe ao certo quem foi o criador da nova variedade, conhecida nacionalmente como Santa Cruz porque, anos mais tarde, esse mesmo tomate foi a base da produção de chacareiros mogianos transferidos pelo governo federal para a região rural do município do Rio de Janeiro, onde se localiza Santa Cruz.

Os tomates viajantes de Mogi

Ao contrário do que se pensa, porém, o tomateiro não é uma planta européia, mas sul-americana. Quando terminou o curso de Agronomia na Escola Nacional de Agricultura, no Rio, o japonês de Tóquio Hiroshi Nagai foi aos Andes peruanos procurar mudas de tomate selvagem para suas pesquisas no Instituto Agronômico de Campinas, onde entrou em 1961. Seu objetivo era obter resistência contra doenças viróticas que comprometiam a produção e exigiam a aplicação de grandes doses de inseticidas nos tomateiros.

Do cruzamento do Santa Cruz com o tomate selvagem do Peru, na década de 60, nasceu nas mãos de Nagai o tomate Ângela, assim chamado em homenagem a sua filha. Atualmente, Ângela Nagai é a única estudante de dança oriental do curso superior de dança da Universidade de Campinas. O tomate Ângela, responsável por 80% da produção de tomate estaqueado do país, foi cruzado com o grandalhão Duque, americano, e deu origem ao Santa Clara, que há pouco mais de um ano começou a ser cultivado comercialmente pelos tomaticultores brasileiros. Em seu trabalho na seção de Olericultura do IAC, Nagai também desenvolveu novas variedades de pimentão, pimenta verde e alface, especialmente a "manteiga", cujo nome oficial é "Brasil 303".

Apesar do avanço obtido pelo Brasil no campo das hortaliças nos últimos 20 anos, o chefe da seção de Olericultura do IAC lamenta duas coisas: a dependência de sementes importadas e o gradual abandono das hortas pelos japoneses e seus descendentes. "A japonesada está deixando irreversivelmente esse espaço", lamenta Nagai. "Muitos trocaram a lavoura por boxes no mercado", afirma Nagai. Ele recorda que na década de 60 as palestras técnicas para olericultores tinham que ser traduzidas para o japonês, tal a quantidade de produtores que não compreendiam direito o português.

Com a interrupção do fluxo de imigrantes rurais no início da década de 60 e a tendência dos nisseis e sanseis para profissões liberais no setor urbano, a presença do pessoal de origem japonesa caiu na olericultura e também na fruticultura de clima temperado. "Hoje, eu diria que o antigo predomínio do japonês na horticultura é mais um mito do que uma realidade. Um dos poucos lugares onde ainda existe uma boa concentração de horticultores de origem japonesa é Mogi das Cruzes", afirma Nagai.

Em Mogi, calcula-se que 1 500 das 4 000 famílias "japonesas" locais são sitiantes. Sua produção é espantosamente diversificada: alface, berinjela, couve-flor, repolho, abobrinha, tomate, pepino, cenoura, batata, milho para picles, chuchu, cogumelos, broto de feijão, uva, nêspera, ovos, frangos, rãs, porcos, peixes e flores. Em décadas passadas, já produziram chá: na zona rural de Mogi, começou há pouco a restauração de um impressionante casarão construído na década de 30 com adobe, num estilo que mistura a arquitetura caipira e a carpintaria japonesa. Para o agrônomo Hiroshi Ikuta, responsável pela propagação das pesquisas da Escola Superior de Agricultura Luís de Queiroz, de Piracicaba, junto aos sitiantes de Mogi das Cruzes, um dos sinais da vitalidade da agricultura praticada pelos japoneses da região é o dique que alguns construíram com recursos particulares para proteger suas lavouras contra as enchentes do rio Tietê, que nasce alguns quilômetros acima dali. "Isso é obra de governo, mas os agricultores cansaram de esperar e fizeram eles mesmos", afirma Ikuta.

Os frutos da paixão agrícola

O trecho mais longo do dique, com 2 quilômetros, foi construído em três anos por Kohei Hasegawa, 41 anos. Dono de 60 hectares na várzea do Tietê, ele carregou 6 000 caminhões de terra para a beira do rio a fim de proteger suas lavouras de alface e cenoura. Ainda não aproveita nem a metade da sua área, mas tem uma centena de empregados e mantém contrato de fornecimento com o grupo Pão de Açúcar. Naturalmente, Hasegawa não está preocupado com o fim da tradicional Cooperativa Agrícola de Mogi das Cruzes, que entrou em parafuso em virtude da agilidade comercial dos produtores e seus clientes. Para manter seu negócio com boa rentabilidade, Hasegawa manipula montanhas de matéria orgânica para combater a oxidação do solo turfoso que explora. Esse trabalho de recuperação da terra representa 20% dos seus custos de produção. Poucos agricultores de Mogi das Cruzes têm recursos para bancar uma operação de tal envergadura. E por isso que alguns acabam mudando de ramo.

Para que isso aconteça, é preciso sorte ou habilidade. Tadataka Minami explorou sua habilidade. Era horticultor e há 15 anos inventou uma máquina para lavar cenouras recém-colhidas. Atualmente, tem 100 empregados numa fábrica de máquinas e implementos específicos para a olericultura. Já o dono da Companhia Mineradora Horii contou com a sorte. Era um esforçado plantador de batatas sem sucesso por causa da falta de água em sua propriedade. Ao abrir um poço para se defender da seca, achou uma mina de caulim de primeira qualidade. Hoje é considerado o homem mais rico de Mogi das Cruzes.

É uma fortuna literalmente arrancada da terra, mas em Mogi das Cruzes ninguém se dá conta disso, pois uma das características dos imigrantes japoneses ricos é não ostentar a riqueza que acumularam. Além de não ostentar, eles continuam trabalhando como nos tempos duros, investindo prioritariamente na expansão do próprio negócio e na educação dos filhos. Um bom exemplo desse comportamento é Hirofumi Kage, 60 anos, que faz questão de se apresentar como "analfabeto", embora seja especialista na exploração dos cerrados e na produção de sementes de soja.

Desde 1949 residente em Guaíra (SP), onde mora numa casa relativamente modesta, Kage está começando a colher agora os frutos de uma apaixonada dedicação à agricultura. Com trânsito livre nas instituições oficiais de pesquisa e assistência à lavoura, com cujos técnicos troca informações e experiências desde 1951, Kage deve colher este ano 29 mil sacas de soja para semente em suas duas propriedades, totalizando 1 200 hectares, no Triângulo Mineiro, onde possui dez tratores e sete colheitadeiras.

Todo dinheiro que ganhar Kage promete aplicar com cautela e segurança na exploração de suas terras. Irrigação, por exemplo, uma "onda" iniciada em Guaíra no final da década de 60 por agricultores japoneses como Massao Myada, Noboro Yamashita e Makio Aratami, ainda é para Kage "um jogo caro". Ele prefere apostar na adubação verde através do plantio de feijão mucuna, uma leguminosa que reduz as despesas com fertilizantes e enriquece a qualidade do solo. Consciente de que uma terra saudável é o caminho mais barato para obter colheitas abundantes, Kage orgulha-se de ter conquistado do Ministério da Agricultura o título de "Agricultor Modelo" de 1980. Para um autodidata, esta não é, seguramente, uma vitória desprezível.

Uma trilha nas matas do Norte

A pimenta cede lugar a outras culturas

Sashimi com maniçoba, karaokê com música regional, sumô com futebol. Essas são algumas das provas mais visíveis da mistura entre japoneses e brasileiros, na vida da pequena colônia de Tomé-Açu, plantada às margens do rio Acará, a 270 quilômetros de Belém - onde vivem hoje mais de 55 mil pessoas, das quais pelo menos 2 mil japoneses. Porém, o que resume bem a convivência das duas raças na região é a agricultura. O domínio da lavoura de Tomé-Açu ainda é da pimenta-do-reino, cujas primeiras mudas chegaram ao país, em 1933, pelas mãos de Makinosuke Ussui, à época presidente da Nantaku, a matriz da Companhia Nipônica de Plantação do Brasil - que foi a responsável pela colonização japonesa no Pará. Mas, pouco a pouco, essa plantação cede lugar a culturas típicas da região, como a seringueira e algumas frutas tropicais, entre as quais mamão, maracujá e cupuaçu.

A pimenta-do-reino é, de todo modo, uma das contribuições mais fortes dos japoneses à economia regional. Quase a totalidade das fortunas que se acumularam dentro das colônias no Pará brotou dessa cultura. Afinal, da produção brasileira de pimenta-do-reino - estimada em 46 mil toneladas em 1987 -, mais de 90% saem do Estado.

No início dos anos 80, a produção era quase o dobro da atual, mas a praga da "fuzariose" começou a atacar os pimentais - forçando seu "deslocamento" cada vez para mais longe. Em Tomé-Açu ficaram apenas as pequenas propriedades, com tamanho médio de 50 hectares - embora, na maioria delas, a estrutura não seja mais exclusivamente familiar. "Ao contrário do que ocorre no Japão, aqui quem trabalha diretamente na terra são empregados, sempre brasileiros", testemunha Jorge Ito, um engenheiro que voltou do sul para tocar a propriedade da família em Tomé-Açu.M

As propriedades maiores e mais bem equipadas - ou pelo menos suas "sedes" administrativas estão hoje principalmente em Castanhal, uma próspera cidade com 90 mil habitantes a 70 quilômetros de Belém. Lá, são comuns áreas com mais de 150 hectares, onde estão fincadas as bases de empresas agroindustriais e onde mandam alguns dos "reis da pimenta". É o caso, por exemplo, de Hiroshi Okajima, que divide seus 600 hectares entre pimenta e frutas, além de manter uma empresa de comercialização.

Os japoneses só chegaram ao Norte quase 20 anos depois que aportaram no sul. A porta de entrada foi Tomé-Açu (então Acará), onde 43 famílias se estabeleceram em 1929, para se dedicar ao cacau. A iniciativa, contudo, não deu certo, seja porque faltava experiência com a terra e com o próprio cacau, seja porque muita gente foi dizimada pela malária. Só com a pimenta a colônia foi para a frente - principalmente depois da criação da Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta), em 1935, para que o trabalho em grupo permitisse vencer as barreiras da língua e dos costumes. "Até hoje os japoneses são maioria na cooperativa, inclusive porque o regime é muito duro e veta terminantemente vendas diretas", explica Yoshiyuki Uesugi, presidente da Camta, que reúne 196 associados e movimentou no ano passado 70 milhões de cruzados. Além de Tomé-Açu, há ainda outros 20 núcleos de colonização japonesa no Pará - uns criados pela Nankatu e outros surgidos espontaneamente.

Os reis do algodão

Eram crianças quando chegaram ao Brasil na década de 20. Hoje estão entre as maiores fortunas da "colônia" japonesa e do país.

Não existe, nem jamais foi elaborada, uma lista das maiores fortunas feitas pelos japoneses no Brasil. Mas, se existisse, entre os primeiros estariam, sem dúvida, os senhores Takayuki Maeda e Takeo Matsubara, que chegaram ao Brasil ainda pequenos, na década de 20, e construíram dois impérios com o plantio de algodão. Além de imigrantes, cotonicultores e ricos, Maeda e Matsubara têm muitos outros pontos em comum. Primogênitos, não chegaram a concluir o curso primário. Na juventude, perderam irmãos por doenças como tifo e pelo menos uma vez viram as economias da família desaparecer nas mãos de conterrâneos vigaristas. Hoje, moram no mesmo lugar onde se estabeleceram - Maeda em Ituverava (SP) e Matsubara em Cambará (PR).

Takeo Matsubara tinha 8 anos quando, em 1925, foi parar na fazenda Água do Bugre, em Cambará. "Em 1941, com 24 anos, ameacei sair de casa e meu pai me passou a direção da família. Estávamos formando um cafezal de 12 mil pés. No dia seguinte, passei o cafezal para outro meeiro e comprei o sítio de 60 hectares que foi o início de tudo", conta Matsubara, na varanda da Água do Bugre, fazenda de 2 112 hectares que comprou em 1972.

Os primeiros anos de Matsubara como sitiante foram difíceis. "Em 1947, eu cheguei a encostar um revólver no ouvido para me matar", recorda ele. Devia 80 contos e sua esperança de pagar a dívida se esvaiu com a peste suína, que matou os 600 porcos que tinha. Aí, pela primeira vez, Matsubara plantou algodão - "todo o sítio, para salvar ou rachar de vez".

Daí em diante ele nunca mais perdeu dinheiro. "Chegamos a ter 12 fazendas no Paraná com 7 600 hectares, quase tudo plantado com algodão. Em 1986, vendemos duas fazendas do Paraná e outra que tínhamos no Mato Grosso para comprar da Volkswagen a fazenda Rio Cristalino, no Pará. Ainda falta pagar uma parte, mas compramos porteira fechada. São 144 mil hectares e 48 mil cabeças de gado", conta Matsubara, cujo nome ficou mais conhecido graças ao sucesso de um time de fazenda - o Matsubara, antiga diversão familiar que virou escola de futebol profissional e, para variar, também dá lucro.

As diversões do patriarca Takayuki "Sebastião" Maeda, 65 anos, também são tipicamente brasileiras. Sempre que pode, ele vai para seu rancho de pesca no Brasil Central. Mas sua principal diversão é ganhar dinheiro. Em 1986, entre todas as empresas "japonesas" listadas pela revista nipo-brasileira Seleções Econômicas, o lucro do grupo Maeda (260 milhões de cruzados) só foi menor do que o do Banco América do Sul (271 milhões), aparecendo muito à frente de multinacionais como Furukawa (141 milhões), Kanebo (140 milhões) e National (134 milhões).

Apesar de ter começado em Ituverava, onde a família comprou sua primeira fazenda em 1940, o grupo Maeda tem 70% dos seus negócios concentrados hoje em Itumbiara (GO), região que abrange a maior parte de suas terras, num total de 33 mil hectares. A expansão para Goiás começou em 1973. Depois de comprar uma máquina de descaroçamento de algodão em Ituverava, em 1974, e outra em Itumbiara, em 1975, Maeda ganhou notoriedade como "rei do algodão", título manchado no início da década de 1980 com uma concordata. Embora tenha diversificado seus negócios com milho (5 000 hectares anuais), soja (outros 5 000 hectares), e pecuária de engorda (8 000 cabeças), o grupo mantém-se concentrado no algodão (12 500 hectares anuais). Em 1987, começou a operar em Itumbiara uma fábrica de óleo de caroço de algodão, capaz de beneficiar toda a produção do grupo e um pouco de terceiros. A verticalização será completada com a montagem de uma fiação em Ituverava em 1990.

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