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Exame, 9/03/1988

Parceria complexa

 A saga do trabalho (continuação)

Investimentos

A falta de prática internacional ainda atrapalha

O primeiro investimento industrial japonês no Brasil foi uma fábrica artesanal de saquê montada na década de 30 pelo grupo Mitsubishi na fazenda Tozan (Monte D'Este, em japonês), no município de Campinas (SP). A fazenda, fundada em 1888 em plena expansão da cafeicultura, foi comprada em 1927 por ordem direta do barão Hisaya Iwasaki, presidente do grupo Mitsubishi, que enviou para dirigi-la o agrônomo Kiochii Yamamoto, mais tarde líder da colônia japonesa no Brasil. A fábrica de saquê foi uma deferência aos imigrantes pioneiros que até então, para animar as festas comunitárias ou as tertúlias familiares, precisavam recorrer à pinga, três vezes mais alcoólica do que a tradicional bebida oriental feita a partir do arroz.

Mais de meio século depois de criada, a Indústria Agrícola Tozan continua funcionando no mesmo lugar, na zona rural campineira. Com apenas 54 funcionários, produz 220 mil litros anuais de saquê - antes da II Guerra Mundial chegou a fabricar 300 mil litros -, além de molhos e refrigerantes, agora sob controle da Kirin Brewery, líder do grupo japonês (vinculado ao Mitsubishi) que ocupa o quarto lugar no mundo na fabricação de cerveja. Em sua administração operam quatro japoneses. O mais velho é Gontaro Kido, de 74 anos, que veio gerenciar a fábrica recém-criada e nunca mais voltou ao Japão. O mais novo é Kunio Sakurai, 37 anos, que chegou há seis meses do Japão para ser o diretor industrial.

As maiores joint ventures nipo-brasileiras
(Cz$ milhões de 1986)

Nome Receita Controle
Usiminas 14.582 Siderbrás
CST 7.972 Siderbrás
Sharp 3.666 Grupo SID
Nibrasco 1.967 CVRD
Cenibra 1.721 CVRD
Politeno 1.546 Petroquisa
Semp-Toshiba 1.419 Affonso B. Hannel
Polialden 1.274 Conespar
Springer-National 1.262 Springer
NEC 782 Globo
Fonte – Exame

A pequena Tozan da grande Kirin Brewery - eis aí uma síntese exemplar dos mistérios que envolvem a presença do capital japonês no Brasil. A indagação fundamental - afinal, por que o negócio é tão discreto? - também pode ser aplicada a outros empreendimentos japoneses como a Toyota, que há 30 anos parece guardar o lugar para uma arrancada paulatinamente adiada. Em janeiro de 1988, ela produziu apenas 310 utilitários.

É claro que o banho-maria em que são mantidos diversos negócios japoneses no Brasil não constitui regra geral. A própria Mitsubishi é extremamente agressiva em sua atividade no setor eletroeletrônico. A Honda e a Yamaha dominam o mercado de motos. A indústria de motores Yanmar lançou há pouco um trator. Mas não há dúvida de que, no amplo universo de empresas de capital japonês instaladas no Brasil - cerca de 400, com pouco mais de 100 mil funcionários no total -, a maior parte não tem o brilho e o pique da matriz ou mesmo de filiais estabelecidas em outros países. Por quê?

"É preciso lembrar que, apesar da tendência inevitável para a internacionalização, as empresas japonesas têm pouca prática no exterior, se compararmos com multinacionais de outras origens", explica o presidente da Furukawa Industrial, Anselmo Nakatani, o primeiro nissei a assumir a presidência de uma multinacional japonesa no Brasil - a primeira da lista, por sinal, com base no volume do patrimônio líquido. "As primeiras grandes empresas japonesas que vieram para o Brasil na década de 50, como Ishikawajima, Toyota e Yanmar, foram atraídas por incentivos fiscais", lembra outro nissei, Alberto Tomita, diretor administrativo financeiro da Yanmar do Brasil. "Os grupos japoneses que chegaram por volta de 1970 vieram menos por causa do mercado brasileiro do que por razões próprias do Japão, ou seja, a necessidade de investir no exterior por causa do superávit de caixa", afirma Koji Nishida, secretário geral da Câmara de Comércio Brasil-Japão, fundada em 1951.

A grande distância tecnológica

Imigrante que veio para o Brasil no fim dos anos 60 para trabalhar na subsidiária da NEC Corporation, hoje controlada pelas Organizações Globo, do empresário Roberto Marinho, Nishida lembra que, atualmente, o Japão tem muito mais condições de investir no exterior do que nos anos 70, mas prefere fazê-lo em outros países - nos Estados Unidos, na Europa e, ultimamente, até nos "paraísos fiscais" da América Central - porque "o Brasil não atrai", em virtude da incerteza política e da instabilidade econômica. "A vez do Brasil vai chegar para as empresas japonesas. O Sudeste Asiático já está saturado de capital japonês e o filão americano vai se esgotar", espera Hiroyuki Sato, paulista de Paraguaçu que ocupa uma diretoria da Howa, indústria de teares instalada em Mogi das Cruzes desde a década de 50.

O que se pode concluir das observações de executivos como Sato, Nishida, Tomita e Nakatani é que, apesar da tardia chegada e da comedida presença dos japoneses no Brasil, a dinamização das relações entre os dois países depende hoje mais do amadurecimento brasileiro do que de iniciativas do Japão (ver a entrevista da pág.80). Em 1986, o capitalismo japonês investiu 22,3 bilhões de dólares no exterior - quase a metade na América do Norte. Isso representa praticamente todo o capital estrangeiro investido no Brasil ao longo da história - 28 bilhões de dólares. Embora tenha saído tarde para o exterior, o capital japonês é o terceiro maior investidor estrangeiro no Brasil, logo depois dos Estados Unidos e da Alemanha.

As maiores empresas japonesas no Brasil
(Cz$ milhões de 1986)

Nome Receita Setor
National 2.633 Eletroeletrônica
Ishibrás 2.315 Const. naval
Moto Honda 2.116 Mat. Transporte
Mitsui Yoshioka 1.253 Alimentos
Kanebo 1.212 Têxtil
Furukawa 1.193 Metalurgia
Toyobo 1.079 Têxtil
Fert. Mitsui 1.012 Química
Rio Negro 869 Metalurgia
Yanmar 786 Mecânica
CBC 665 Metalurgia
Kurashiki** 634 Têxtil
Yakult 595 Alimentos
NGK 587 Metalurgia
Komatsu 585 Mecânica
Fuji Photo 550 Química
Mitsui 542 Comércio
Yamaha 534 Mat. Transporte
IKK Yoshida 527 Metalurgia
Sanyo 512 Eletroeletrônica
* estimativa
** Cotonifício e Lanifício
Fonte – EXAME Seleções Econômicas

A imigração não foi apenas o ponto de partida para a criação de negócios entre os dois países. Ao longo do tempo, ela exerceu também o papel de catalisador de investimentos que chegaram em "ondas" intermitentes - primeiro na década de 30, depois nos anos 50 e por fim ao redor de 1970. Existe, portanto, no Brasil, não só uma base física montada pelo capital japonês mas também uma base cultural formada pelos imigrantes e seus descendentes. O que vai resultar disso é algo praticamente insondável. A revolução tecnológica realizada pelos japoneses nas últimas décadas só chegou parcialmente ao Brasil, cuja defasagem é ilustrada pela mudança radical da imagem do japonês. "Na minha juventude, nós éramos chamados de tintureiros e verdureiros. Depois do milagre econômico japonês, passamos a ser vistos como industriosos e diligentes", lembra o nissei Takashi Sanefuji, que nasceu em 1937 em São Bento do Sapucaí (SP) e há 11 anos preside a Companhia Brasileira de Estireno, de Cubatão (SP), controlada pela americana Monsanto.

As motivações do Japão para aproximar-se do Brasil não mudaram substancialmente desde a década de 40, quando nasceu a Usiminas, o primeiro grande casamento de capitais privados japoneses com o capital estatal brasileiro. Ao participar com 40% dos 270 milhões de dólares investidos para montar a Usiminas, que começou a operar em 1962, os japoneses tinham como objetivo fundamental a construção de uma fonte de suprimento de aço. Segundo Amaro Lanari Jr., que presidiu a empresa por 18 anos, havia um outro objetivo circunstancial na mobilização japonesa: "Eles queriam demonstrar ao mundo sua capacidade de fazer grandes empreendimentos com seus próprios equipamentos, coisa até então posta em dúvida".

Uma fase física e cultural

Apesar de tudo, a Usiminas abriu as portas para outras associações de capitais japoneses no Brasil. Entre elas destacam-se a Companhia Siderúrgica de Tubarão, também controlada pela estatal Siderbrás, a Cenibra e a Nibrasco, controladas pela Companhia Vale do Rio Doce, além de companhias petroquímicas controladas pelo grupo da Petrobrás (ver a tabela).

Assim como nos projetos de desenvolvimento dos cerrados e de exploração das jazidas de ferro de Carajás, que contam com financiamentos do Japão, todos esses empreendimentos conjuntos atendem à necessidade japonesa de garantir o abastecimento de seu país. Mesmo depois da revoada de multinacionais japonesas que se instalaram no Brasil atraídas pelo "milagre brasileiro" (1968/1973), persiste a tendência de encarar com prioridade os projetos que respondam a carências do mercado japonês. Muitos nisseis e sanseis que se preocupam com o futuro das relações entre o Brasil e o Japão citam o "complexo do ilhéu" como um componente fundamental da psicologia do japonês, que afeta diretamente as relações das companhias japonesas com seus parceiros do exterior. Foi esse traço característico que levou o Japão a buscar em outros países a chave da sobrevivência. Essa busca, iniciada com a imigração, teve desdobramentos extraordinários ao longo do século 20.

Primeiro com pessoas, depois com máquinas de todos os tamanhos, finalmente com sistemas revolucionários de administração e operação empresarial, os japoneses acabaram disseminando pelo mundo um modelo de eficiência capitalista que assusta e fascina os empresários ocidentais. Entretanto, olhar o Japão de hoje apenas como uma fonte de moeda forte, um caixa rico, é reduzir ao óbvio as possibilidades de um intercâmbio que, no caso do Brasil, tem raízes suficientes para ser muito mais amplo, rico e dinâmico do que tem sido.

Em 1986, uma missão brasileira chefiada pelo ministro do Planejamento, João Sayad, cometeu o equívoco de ir ao Japão sem estar devidamente preparada. Foi perda de tempo e de dinheiro. Um dos que estiveram em Tóquio para ajudar a "missão Sayad", o brasileiro Anselmo Nakatani, adverte que, para ser levado a sério pelo Japão, o Brasil precisa agir com seriedade e confiabilidade. Agora que o ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega, chefia nova missão a Tóquio, espera-se que a lição de 1986 tenha sido aprendida.

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