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Veja, 21/06/1978

O barroco disciplinado

Nossos olhos puxados (continuação)

OLÍVIO TAVARES DE ARAÚJO

Sabe-se hoje que na década de 40, anônimo e humilde, ele plantava arroz em Birigüi e Lins, no interior do Estado de São Paulo. Na capital, anos mais tarde, equilibrava o orçamento da família com gravatas pintadas a mão e vendidas nas ruas mais movimentadas do centro da cidade. Até que em 1959 Manabu Mabe explodiu subitamente e arrancou o maior prêmio nacional de pintura na Bienal de São Paulo. Desde então, seu exemplo se tornou o mais lembrado quando se fala da presença dos japoneses na arte do Brasil.

Mabe chegou em 1934, como imigrante pobre, destinado à lavoura. Em circunstâncias semelhantes vieram vários outros, mais velhos, ou de sua geração. Hoje estão todos integrados na cultura da nova pátria, onde a crítica, respeitosa, os trata como mestres e cunhou-lhes o orgulhoso rótulo de "nipo-brasileiros". A junção se justifica. Por um lado, eles nunca perderam os traços mais característicos da arte oriental: a espiritual idade, a intensidade de expressão, um sereno lirismo. Por outro, souberam transplantar tudo isso e deram provas de uma vitalidade literalmente modelar. Não só boa parte da melhor pintura abstrata brasileira esteve nas mãos dos japoneses como sobre suas lições se calcou a abstração de numerosos outros artistas, genuinamente nascidos no Brasil.

Keiju Kobayashicromo05 Tomie: em busca do definitivo equilíbrio

A rigor, pode-se falar de três gerações de nipo-brasileiros. A primeira é a menos conhecida e permanece semi-injustiçada. Compõe-se apenas de artistas nascidos no Japão, entre 1893 (o decano Kyioji Tomioka, ainda ativo) e 1916, e chegados ao Brasil entre 1917 e os começos da década de 30. Foram eles os fundadores, em 1935, do paulista Grupo Seibi, dedicado a incentivar e divulgar a arte dos membros da colônia. O Seibi foi liderado pelo paisagista Tomoo Handa (1906) e dele fizeram parte Yoshia Takaoka, Kichizaemon Takahashi, Yuji Tamaki, Shigeto Tanaka e alguns outros.

Para um público que associava a arte japonesa à generosa abstração da geração seguinte, a obra do primeiro Grupo Seibi pareceu excessivamente contemplativa e discreta. Mais. A linguagem figurativa adotada por todos foi confundida com um academicismo disfarçado.

Só muito recentemente começou a revisão. Há um ano e pouco, uma exposição didática no Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Álvares Penteado (SP) confrontou o Seibi com outro núcleo de artistas imigrantes, ativo na mesma época: o Grupo Santa Helena. Os japoneses nada perderam na comparação, embora de fato ousassem menos, em matéria de invenção, mas conseguissem maior correção nos resultados.
A segunda geração, desde logo, teve melhor sorte.

Coube-lhe liderar, a partir de 1959 (quando Mabe obteve seu prêmio), a pintura abstrata no Brasil. Ao longo da década de 60, sob a estrela de Mabe, impuseram-se ainda nomes como João e Yukio Suzuki, Masumi Tsuchimoto, Hissao Ohara e o ilustre Flávio Shiró, hoje morando na Europa. E sobretudo um trio de virtuoses: o brilhante Kazuo Wakabaiashy, o suave Tikashi Fukushima, a impecável construtora de formas Tomie Ohtake. À exceção de João Suzuki, todos ainda haviam nascido no Japão e imigraram ao longo da década de 30.

A mistura de solos concluiu-se enfim na terceira geração, à qual pertencem japoneses natos - Bin Kondo, Yutaka Toyota, Tomoshigue Kusuno - e jovens brasileiros, como Massuo Nakakubo, Mari Yoshimoto, Megumi Yuasa, Takashi Fukushima, Lídia Okumura. Chega-se neste ponto ao elemento mais específico da presença nipônica na arte do Brasil. A questão poderia ser aflorada também por outro ângulo: por que no terreno das artes visuais, e em nenhum outro, se tornou ela tão marcante? A resposta mais imediata lembrará a óbvia barreira da língua, que de fato impossibilitaria o surgimento de poetas ou atores no curto intervalo de uma ou duas gerações. E a tradição musical também é outra.

Parece haver, nos japoneses, uma espécie de intuitiva inteligência plástica que se traduz na modernidade despojada de seus jardins zen e no modelo de design que é a própria bandeira japonesa. Seus artistas sempre souberam captar a essência de cada realidade, desprezando aparências e acessórios. Daí a naturalidade com que a abstração sempre conviveu com a figuração, no Oriente.

E daí também, por exemplo, a qualidade de uma pintura como a da nipo-brasileira Tomie Ohtake, digna representante de toda a segunda geração.

É esse tipo de equilíbrio o grande presente ofertado pela arte japonesa à brasileira. Ele disciplinou nosso barroquismo tropical, balizou e deu leveza a nosso olho.

Eis o mínimo que se pode assegurar: a pintura contemporânea no Brasil seria outra, sem os ares trazidos do Japão.

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